quarta-feira, 24 de março de 2010

Você conhece o Dadá?

Caros amigos, dou inicio hoje numa coletânea de contos em forma de crônicas, ou, quem sabe, crônicas em forma de contos.

Tenho um irmão, querido como todos, que, apesar de trabalhar na justiça, com muitos assuntos técnicos, voltados para a legislação trabalhista e gestão de pessoas, encontrou, depois de velho (rs), uma veia literária em seu sangue e resolveu escrever estas singelas crônicas ( que também se parecem com contos).

Decidi incentivá-lo, pois achei que assim, um dia quem sabe, ele possa escrever alguma coisa sobre este irmão, que vive distante, com muitas saudades da família e da sua terra natal... terra do tacacá, do tucupi, do açaí, da caldeirada de filhote, do passeio depois da chuva, do Ver o Rio, do Ver o Peso, do Forte do Castelo, da Casa das Sete Janelas e assim vai... e, com isso, ficarei famoso no seu futuro livro sobre essas crônicas e contos.

Resolvi iniciar estas crônicas com esta abaixo, porque conta um pouco da característica do próprio autor, que carrega desde a sua infância.

Espero que gostem desta minha iniciativa..

Parabéns Paulo Sérgio Alves. Siga em frente!

Deixem seus comentários.


Por Paulo Sérgio Alves

Poucos o conhecem.

Dadá tem poucos amigos.

Não por acaso. É que Dadá é econômico.

Não, não é econômico de profissão.

É econômico na fala, nos sentimentos, nos gestos.

Dadá praticamente não se mexe. Só se for por extrema necessidade.

Quando conheci Dadá, pensei que fosse um daqueles famosos bonecos de cera.

Parecia tão real, mas tão mudo, tão estátua.

Acho que passaram uns 30 minutos até que Dadá desse o primeiro sinal de vida.

Coçou o braço, parece jogador de futebol quando está dando entrevista.

Depois de uma hora, mais ou menos, sua voz: - to indo.

Pois é, quase não fala, e quando fala é assim...lacônico.

Isto dito por mim, reconhecidamente pouco falante.

Dia desses um professor da faculdade de Direito me chamou:

-Paulo Sérgio, suas respostas são corretas, mas você tem de escrever mais, explorar mais o assunto.

Respondi com a mesma sinceridade: - é que não sei enrolar não, professor.

Estava eu completando quase dois anos e minha mãe, preocupada, levou-me ao médico.

Nunca falara. Provavelmente eu seria mudo.

Depois de severos e numerosos exames, o médico nos chamou:

-dona Mena, analisando minuciosamente os exames de seu filho;

consultando as mais recentes publicações médicas nacionais e internacionais a respeito;

verificando todos os sintomas do paciente, cheguei à conclusão...

O coração de Dona Mena, nesta hora, era ouvido no consultório ao lado.

Os olhos lagrimados e o olhar atento e piedoso ao doutor, suplicando por uma resposta

Mas com a expectativa temerosa e dolorosa de não querer ouvir.

E veio a sentença:

-dona Mena, seu filho não é mudo, ele tem é preguiça de falar.

A reação de alívio de dona Mena só a psicologia pode explicar:

-Seu preguiçooooso, então tu me deixas desse jeito, e tu tens só preguiiiiça.

Sua palavras acompanharam um senhor puxão de orelhas,

que me levantaram uns cinco centímetros do chão.

Até hoje tenho pesadelos.

Então, ali mesmo no consultório, na frente do doutor, mamãe comprovou o certeiro diagnóstico:

-ai ai ai mãããiiêê, duueeeuuuu!!!a senhola qué arrancá as olheeelas?

Pois é, mas perto de Dadá sou um tagarela.

Com base nessa referência, acho que Dadá falou lá pelos 5 anos de idade.

Uma vez lhe perguntei se também tinha pesadelos.

Já conheço Dadá a três anos. Poucas palavras ouvi.

Acho que ainda nem reconheço seu timbre de voz.

Reconheço Dadá apenas pela quantidade de palavras:

-Dadá, como vai?

-bem.

-E Marapa, tens ido?

-não.

-Tens trabalhado muito?

-não.

Vamos tomar uma na sexta?

-vamo.

-tomara que não chova no domingo, se não vai estragar nosso jogo.

-é.

E por aí vai.

Apresentei Dadá ao primo advogado, que perguntou:

-E aí Dadá, o que você faz?

-cumpro mandado.

-Ah! você é Oficial da Justiça Comum, Trabalhista ou Federal?

-não, eu cumpro mandado, o que mandarem fazer eu cumpro.

Esta é a versão Dadá de viver de bico.

Mas Dadá tem uma especialidade: lavar carros.

É quando Dadá toma a iniciativa de falar ou escrever alguma coisa.

Pelo orkut, e-mail, msn, mensagem de celular, de vez em quando recebo: - quer que eu lave o carro?

O problema é que Dadá ainda não aprendeu direito sua especialidade.

Depois da lavagem de Dadá, sobra tanto “gato” que certo dia vários cachorros se reuniram e começaram a latir para meu carrinho.

Toda vez que Dadá lava meu carro, mando para o lava-jato no dia seguinte.

Mas Dadá é gente boa. Não faz mal a ninguém. Ele tem os olhos meio arregalados

Parece que querem te comer. No fundo, no fundo, prefere ser comido.

No último carnaval, lá em Marapa, Dadá já havia tomado umas quantas.

Estava no limite da razão. Sua timidez se intimidou, e Dadá foi gracioso e corajoso:

-Sérgio, tem um fio dental azul alí na Butique da Flávia, me dá de presente pra eu desfilar nas “Piranhas”.

Arrasou.

Gosto de Dadá. Quando estou diante dele, fico exercitando minha capacidade de compreensão do ser-humano.

Ou de adivinho. É que Dadá não expressa nada. Dor, alegria, tristeza, saudade...nada.

Não chora, não ri, apenas emudece.

Dadá tem nome, claro. Certo dia, ele chegou na portaria do condomínio do primo advogado:

-Dr. Hélio, tem um rapaz aqui querendo entrar.

-Qual o nome dele?

-Aislã

-Como?

-A - I - S - L - Ã

O primo já ia dizer que não conhecia, quando ouviu aquela voz no fundo:

-diz que é Dadá, diz que é Dadá.

Nunca compreendi direito o apelido. Talvez porque goste de dar, dar e dar.

Não sei. Mas prefiro chamá-lo de Dadá.

O bom e pacato amigo Dadá.

Um comentário:

  1. Obrigado pelo incentivo. Agora, sinto-me obrigado a lhe prestar uma homenagem.
    Ela virá, com certeza. rsss

    abs

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