Mais um conto do Paulo Sérgio Alves.
Cedinho levantei.
Mas não teria sido previdente o suficiente.
Além de meus filhos, dormiram em casa dois sobrinhos.
Depois da missa, os levaria para um jogo de futebol. Ah! eles adorariam.
Certamente deveria acorda-los cedinho também, para chegarmos no tempo à missa.
Biel, meu caçula, iria fazer a 1ª leitura. Não poderia atrasar.
Estava se preparando para a primeira comunhão.
Teria de estar lá às nove em ponto. Dez minutos de casa até a igreja.
Banho pra lá, arruma pra cá...- depreeessa!
Saímos exatamente às nove horas. Nem tomamos o café da manhã.
Tentei dirigir com rapidez e cuidado ao mesmo tempo.
Mas as condições do trânsito não facilitaram.
Quando não havia lombadas, havia buracos. Quando não havia buracos, havia calombos.
Quando não havia lombadas, nem buracos, nem calombos, havia bicicletas.
E para cada bicicleta, havia um ciclista que não entendia nada de trânsito.
E abusava. E ia em ziguezague. Pelo meio da via, mesmo com faixa apropriada ao lado da pista.
Bem, dez minutinhos de atraso não iriam atrapalhar.
A missa só começaria às nove e meia. Ilusão.
Biel se dirigiu ao primeiro banco, junto das outras crianças que participariam da missa.
Eu, os sobrinhos e minha filha nos postamos ali pela quinta fileira.
Logo ao sentar, seu professor de catecismo lhe disse:
- como você se atrasou, já arranjei outro para fazer a 1ª leitura.
Senti remorso. A culpa foi minha. Porque não os chamei mais cedo?
Com uma tênue decepção em seu rosto, dirigiu-se ao banco onde estávamos.
Meu sobrinho, surpreso: - tio, o Gabriel não vai mais ler!
Não demorou muito, uma senhora veio até nós:
- Gabriel, venha até aqui comigo.
Começou a missa, e Biel não havia retornado ao banco.
Olhei pra traz. Estava ele postado no lado esquerdo na entrada da igreja, em pé.
Do outro lado, o professor.
Meu primeiro pensamento: duplo castigo.
Além de não ler mais, ainda teria de ficar em pé ali, sozinho.
Abuso de poder. Dupla sanção por apenas um fato.
- pelo menos perguntaram porque ele se atrasou? se teve culpa?
A indignação ia me dominando. Ali, dentro da igreja.
- uma injustiça! mas aqui não aprendemos a ser justos com os semelhantes?
Era um misto de revolta e remorso.
Olhei novamente pra ele. Concentrado. Imóvel. Mãos unidas à frente.
Levantei. Fui até lá.
- temos de ficar aqui, pai, para não deixar nenhuma criança sair.
Dei-lhe um beijo na face.
E fiquei ali, ao seu lado, em pé.
Oramos juntos até o final da missa.
Leia aqui a 1a. crônica